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A dura vida do empreendedor

Conquistar o próprio negócio não é fácil. Para os contadores, a máxima é válida também.

Autor: Mayara BacelarFonte: Jornal do Comércio

Quem se depara com os inúmeros escritórios de contabilidade que atuam no mercado pelo Brasil afora, pode até pensar que essa é uma trajetória natural e simples na carreira dos contabilistas. Na verdade, esse é um caminho sinuoso e esconde uma realidade com mais desafios do que se pode pressupor, mas com contrapartidas que, ao longo do tempo, podem dar mais liberdade e benefícios para os profissionais da contabilidade. Questões técnicas e mesmo a experiência prática são apontadas por especialistas como as principais barreiras estabelecidas para quem deseja se tornar um empreendedor no setor.

A busca por autonomia, normalmente, é o que motiva os contadores a correr atrás do próprio negócio. Antes disso, porém, é preciso saber em que terreno se está pisando. A contadora e empresária Soeli Rinaldi conta que sempre quis trabalhar no campo administrativo. Começou como funcionária de uma empresa, onde passou por diversas áreas, culminando na contábil, até 1991. Depois de concluir a formação acadêmica e absorver experiência na companhia em que atuou, em 1992, “na cara e na coragem”, foi atrás de sua independência profissional. “Sabia que trabalhando em uma empresa não teria autonomia”, diz. “Comecei em 1992 com dois ou três clientes, mas a coisa é complicada, é preciso muita coragem”, revela.

Entre os desafios, está a conquista de novos clientes. Soeli explica que a contabilidade é um mercado fechado, onde a indicação é a grande ferramenta para turbinar os serviços. Para ter sucesso no negócio próprio, um requisito básico é uma boa rede de relacionamentos, sem o qual é “quase impossível” se lançar ao mercado. No caso da Soeli, que junto com uma sócia comanda a Rinaldi Organização Contábil, a construção da reputação da empresa e a busca de novos clientes prosperaram. Hoje, a carteira da companhia é atendida por nove profissionais, além das duas sócias. 

Para chegar a esse ponto, porém, tanto Soeli quanto outros contadores precisam, ainda, de um suporte maior. Apesar do conhecimento adquirido com os anos de estudo técnico ou superior, a área contábil requer especialização constante. Regras fiscais e tributárias mudam com velocidade, por isso fazer cursos de atualização e estudar por conta própria não são opções, mas obrigações para os empresários do setor.  “O empreendedor contábil tem que se atualizar diariamente, pois, se não faz isso, tende a ficar fora do mercado”, sentencia o contador Lino Bernardo Dutra, sócio da Aupercon. Ele lembra que, em matéria de tributos, o cenário é muito dinâmico, além das constantes mudanças na Tecnologia da Informação, que precisam ser acompanhadas. “O que está valendo hoje pode não valer amanhã”, alerta.

Além de aprender sobre o próprio ramo de atuação, que vive um capítulo a cada dia, Dutra argumenta que os contabilistas precisam se guarnecer de ferramentas - cursos, palestras, informações - que ajudem a preencher as lacunas que ensino regular deixa para os profissionais do setor. “A nossa formação é muito técnica, embora saibamos fazer coisas para outros, não sabemos para nós mesmos, principalmente vender nosso produto”, diz o contador. “Falta gestão do contador para ele mesmo”, acrescenta, lembrando que as universidades poderiam ter papel maior nesses quesitos. 

Dutra acredita que os estudantes, técnicos ou universitários deveriam, obrigatoriamente, passar por estágios em escritórios de contabilidade antes de ir ao mercado e, também, antes de se arriscar em um negócio próprio. De acordo com ele, um profissional recém-formado não tem instrumental para montar um escritório e lidar com todas as responsabilidades que um movimento como esse exige. 

Estrutura é fundamental 

 

Há mais de 20 anos no mercado, o sócio da Contadores Associados e vice-presidente de controle interno do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRC-RS), Célio Levandovski, acredita que a responsabilidade com as informações do cliente é um desafio constante, que requer experiência para ser administrado.  

Hoje, ele afirma ser “temerário” iniciar um negócio sem a estrutura adequada, principalmente no que se refere à Tecnologia da Informação. Um bom software é indispensável para organizar prazos e acompanhar as demandas. Qualquer declaração não entregue pode gerar uma multa de R$ 5 mil ao cliente. Diante do controle cada vez mais rígido de órgãos fiscalizadores, é preciso que os próprios contadores tenham ferramentas de controle. “Quem inicia, se não tem uma vivência de escritório e uma estrutura adequada, acaba tendo certa dificuldade”, aponta. 

Apesar do maior volume de obrigações a ser cumpridas, Levandovski diz que ter o próprio negócio vale a pena. Ele alega que a remuneração variável é um benefício, já que com a conquista de novos clientes, os rendimentos acompanham o crescimento, além da liberdade de escolher para que tipo de empresa se vai prestar serviço. 

Franquia pode ajudar na hora de investir na empresa

 

A visão de que o ensino do ofício contábil é técnico e deixa de lado o estímulo ao empreendedorismo é bastante comum entre os profissionais da área. O diretor da CSL Assessoria Contábil, Claudionei Santa Lucia, acredita que saber trabalhar os orçamentos contábeis, balanços e análises é fundamental, mas que também deveriam ser mais exploradas questões como gestão de pessoas, economia e rotinas empresariais. Ciente de que a atuação por conta própria abre um leque maior de alternativas e ramos de atividade aos profissionais contábeis, Claudionei fundou a primeira rede de franquias na área de contabilidade do Brasil, a CSL Franchising.

O modelo repassa aos proprietários o know-how da companhia com um diferencial em relação a outras franquias: não há investimento inicial. A única exigência feita ao empreendedor contábil em potencial é que ele tenha, no mínimo, quatro clientes. Isso porque, em vez de pagar pela estrutura física e royalties, o franqueado compartilha a carteira de clientes com a CSL Assessoria Contábil. “Esse modelo oferece todo know-how para que o interessado inicie o negócio sem colocar a mão no bolso, contanto que tenha clientes para colocar na franqueadora”, explica o idealizador do projeto, ao acrescentar que essa é uma forma mais fácil para os iniciantes se associarem a uma empresa consolidada e acessarem a ferramentas como softwares. 

Gestão de qualidade supera os desafios

 

O contador pode enfrentar contratempos na hora de empreender, mas, depois que o profissional se adapta ao ritmo da administração empresarial, a atividade pode ganhar destaque quando o assunto é qualidade. É o caso do escritório Proceconta, que neste ano levou o troféu bronze no Prêmio da Qualidade 2012, promovido pelo Programa Gaúcho da Qualidade e Produtividade (PGQP). A diretora da companhia, Marice Fronchetti, revela que a burocracia e legislação são os principais desafios de uma empresa de contabilidade. 

As mudanças constantes na legislação geram grande insegurança jurídica, o que dificulta a atuação e aumenta o grau de responsabilidade dos empreendedores contábeis. Além disso, Marice corrobora a tese de que os profissionais saem despreparados das universidades e dos cursos técnicos. Não estão prontos para o negócio próprio e, muitas vezes, nem para entrar em um escritório ou no setor de contabilidade de uma empresa. “A faculdade não está preparando para o mercado, os alunos saem sem saber coisas básicas, há uma falta de preparação”, afirma.

Lutando contra essas barreiras diariamente, Marice começou a treinar e especializar sua equipe e a reformular os processos dentro do escritório, até para vencer as dificuldades impostas pelos fatores externos à sua companhia. 

O processo rendeu, além do prêmio do PGQP, melhores práticas para o desenvolvimento do trabalho na Proceconta. “Trabalhamos desde o layout, equipe, psicólogo interno, retenção de talentos, tudo dentro do programa de qualidade, que são aplicações que, dentro da empresa, nos fizeram alcançar outro patamar, com ferramentas que ajudam na gestão do negócio”, explica a empreendedora.