Justiça do Trabalho incentiva o diálogo para solução dos conflitos antes de movimentos grevistas
A mediação pré-processual permite uma solução consensual sem que a greve vire um processo judicial
Setembro de 2020. Cerca de três mil trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) cruzaram os braços em um movimento grevista que durou mais de um mês.
Dezembro de 2022. Às vésperas das férias de fim de ano, pilotos e comissários de voo aprovaram a deflagração de greve por tempo indeterminado.
Em ambas as situações, a Justiça do Trabalho esteve presente, atuando para a melhor solução das reivindicações apresentadas.
Garantia constitucional
O direito de greve é uma garantia prevista no artigo 9º da Constituição Federal, que o consagrou como um direito humano e fundamental, cabendo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo.
Historicamente, as greves desempenharam papel importante na conquista e na manutenção de direitos trabalhistas. Por outro lado, as paralisações, independentemente do prazo que durem, podem trazer impactos econômicos significativos, afetar toda uma cadeia produtiva e de serviços e a vida da sociedade em geral.
Por muitas décadas, predominou em nossa sociedade um perfil de litígios e conflitos que, aos poucos, deu espaço a uma mudança cultural que também trouxe reflexos para a atuação da Justiça do Trabalho.
DNA
O primeiro ato de uma reclamação trabalhista é, necessariamente, uma audiência de conciliação. Tendo em seu DNA uma natureza conciliatória, a Justiça do Trabalho tem incentivado a prática da mediação e da conciliação como uma forma cada vez mais eficaz para alcançar soluções consensuais de conflitos.
Humanização
Com isso, a Justiça do Trabalho tem estado cada vez mais próxima da população, contribuindo para um sistema jurídico mais eficiente, acessível e justo. Essa humanização facilita o acesso à Justiça para todas as camadas da sociedade, garantindo que trabalhadoras e trabalhadores se conscientizem dos seus direitos e tenham meios efetivos para, juntamente com os empregadores, resolverem seus conflitos.
Acordos
Em 2018, um marco importante foi a homologação de um Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) entre a ECT e as entidades sindicais representantes dos empregados. Foi a primeira vez, em 24 anos, que a entidade e as federações da categoria chegaram a um consenso, dentro da data-base, sem a realização de uma greve.
Na época, o então vice-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Renato de Lacerda Paiva, considerou a celebração do acordo um feito histórico. “A Vice-Presidência teve uma função facilitadora, levando a uma negociação cooperativa, porque as partes buscaram uma solução em comum”, destacou.
Política nacional
A fim de evitar o ajuizamento dos dissídios coletivos, a Justiça do Trabalho vem assumindo também um papel de mediadora, incentivando, cada vez mais, o diálogo.
Em 2016, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) publicou a Resolução 174/2016, que trata da política judiciária nacional de tratamento adequado das disputas, e implementou mecanismos de solução de conflitos, em especial os consensuais, como a mediação e a conciliação pré-processuais.
Desjudicialização
Segundo o atual vice-presidente do TST e do CSJT, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, a mediação pré-processual é um instrumento de incentivo à pacificação social por meio do diálogo. “Dessa forma, estamos conseguindo promover a desjudicialização, com os efeitos pedagógicos irradiantes de paz social”, explica. “Essa harmonia, que vem sendo buscada e construída diante dos conflitos coletivos inerentes e naturais nas relações sociais, promove uma verdadeira mudança de paradigma”.
Protocolo
Com o propósito de democratizar o acesso à Justiça e estimular outras formas de composição, em 2019 a Vice-Presidência do TST instituiu o Protocolo de Mediação e Conciliação. Segundo a juíza auxiliar da Vice-Presidência, Roberta de Melo Carvalho, com a implementação dessa ferramenta, passou-se a investir na solução dos conflitos antes da deflagração da greve. “O protocolo foi um marco para uma mudança de resultados na Justiça trabalhista, porque as questões passaram a ser solucionadas mediante o diálogo e de forma construtiva”, ressalta.
Mediação
A mediação pré-processual é simplificada e facultativa. Uma das partes pode solicitar a audiência, e a outra será convidada a comparecer. Sua participação não é obrigatória.
De acordo com a juíza, um dos primeiros compromissos é que as partes se propõem, justamente, a não paralisar os serviços e, em contrapartida, a categoria econômica se compromete a manter as condições anteriores do instrumento coletivo de trabalho (que, geralmente, já está com a validade expirada). “A mediação traz benefícios mútuos para os envolvidos no conflito e também para a sociedade em geral”, conclui.
Audiências
Várias audiências já foram solicitadas à Justiça do Trabalho na tentativa de composição de acordos para garantir a manutenção de direitos, melhorar condições de trabalho e evitar paralisações.
Em setembro de 2023, o ministro Aloysio Corrêa da Veiga conduziu a celebração do acordo coletivo de trabalho entre a Casa da Moeda do Brasil (CMB) e o Sindicato Nacional dos Moedeiros(SNM). A mediação pré-processual, solicitada pelo sindicato, já vinha ocorrendo desde janeiro do mesmo ano.
O ministro destaca que, na maioria das vezes, o acordo é construído pelas próprias partes, mas, em alguns casos, a Vice-Presidência formula e apresenta uma proposta de conciliação. “É um passo na busca da solução em que todos possam sair ganhando, inclusive a sociedade, com a não paralisação de serviços importantes”.
Outra importante audiência realizada no TST, em novembro de 2023, teve como partes a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Processamento de Dados, Serviços de Informática e Similares (Fenadados) e a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev).
A mediação foi solicitada pela Fenadados para facilitar a comunicação e destravar a negociação em torno da participação nos lucros e resultados (PLR) de 2022. Desde o início, a categoria já havia aprovado o indicativo de greve, que não se concretizou em razão do diálogo e da assinatura do acordo coletivo de trabalho com vigência até abril de 2024.
TRTs
Em maio de 2023, o SindSaúde ABC, a Fundação do ABC e a Prefeitura de São Bernardo do Campo (SP) chegaram a um consenso e assinaram uma cláusula de paz em mediação no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP). O sindicato pediu a intermediação do tribunal após o desligamento de 97 empregados, sem um posicionamento dos empregadores sobre os motivos e a extensão dos cortes.
Também em maio, o TRT da 8ª Região (PA/AP) realizou uma audiência pré-processual entre representantes do Sindicato dos Rodoviários de Belém, Ananindeua e Marituba e o Sindicato das Empresas de Transportes dos Passageiros de Belém. A audiência foi solicitada pelos Sindicatos dos Rodoviários, que buscaram a Justiça do Trabalho para atuar como intermediadora, uma vez que as reuniões que vinham ocorrendo não estavam apresentando evolução. Com a atuação antecipada do TRT, foi celebrado acordo evitando a greve dos ônibus.
Com mediação do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO), representantes dos sindicatos dos motoristas do transporte coletivo e das empresas de transporte chegaram a um consenso e evitaram uma greve marcada para junho de 2023.
História
A primeira grande greve no Brasil aconteceu em 1917, quando 50 mil operários (10% da população paulistana) paralisaram praticamente todas as fábricas de São Paulo (tecidos, chapéus, sapatos, móveis, fósforos, parafusos, cerveja e farinha). Eles reivindicavam o fim das condições desumanas de trabalho. Como quase não havia direitos trabalhistas, cada fábrica fazia suas próprias regras, e os empregados costumavam trabalhar, no mínimo, 12 horas por dia.
Em 1964, em pleno regime militar, o presidente da República, general Castelo Branco, sancionou a Lei 4.330/1964, conhecida como Lei Antigreve. O normativo trazia tantas exigências que tornava praticamente impossíveis as paralisações.
Segundo o professor constitucionalista Cristiano Paixão, mesmo com essa lei dificultando o exercício do direito de greve, os anos 70 foram marcados por movimentos importantes para a redemocratização do país. “Diversas categorias se mobilizaram em pautas para melhorar as condições de trabalho e reivindicar direitos para o retorno do Brasil a um estado democrático de direito”, reforça.
Constituição Cidadã
Anos depois, a promulgação da Constituição República Federativa do Brasil 1988 assegurou a trabalhadores e trabalhadoras o direito de greve como meio de defender seus interesses. “A Constituição trouxe um ganho civilizatório imenso para o tema, e a Justiça do Trabalho foi protagonista na definição da legalidade ou não das greves”, explica o professor. “Esse protagonismo perdura até hoje com sua atuação, quando provocada, no alcance da solução conciliatória do conflito coletivo”.
Em 1989, foi sancionada a Lei 7.783/1989, que dispõe sobre o exercício do direito de greve. Suas regras são válidas até hoje.